Escrito por: Alessandra Escouto Espanhol Autor: Alessandra Escouto Espanhol : -->
Como citar este artigo: ESPANHOL, Alessandra Escouto. STJ pós Lei 11.464/07: proibição absoluta da liberdade provisória nos crimes hediondos e assemelhados? Disponível em http://www.iuspedia.com.br 14 fev. 2008.
Como citar este artigo: ESPANHOL, Alessandra Escouto. STJ pós Lei 11.464/07: proibição absoluta da liberdade provisória nos crimes hediondos e assemelhados? Disponível em http://www.iuspedia.com.br 14 fev. 2008.
No terceiro milênio, a humanidade vai sobreviver, e para isso terá que acabar com o discurso punitivo e achar soluções reais para os problemas, não ilusões para solucioná-los. (Eugenio Raúl Zaffaroni).
Há certas leis que surgem sob o impacto de casos particularmente especiais, como o seqüestro de uma notável personalidade ou assassinatos de pessoas públicas. Ainda que criminosos perversos e lamentáveis esses atos acabam estimulando a criação da chamada "legislação do Pânico". Neste contexto, editou-se a Lei 8.072/90 (lei dos crimes hediondos), um dos piores diplomas legais já noticiados no Brasil.
Malfadada lei nacional trazia em seu bojo disposições incompatíveis com a novel Carta Magna, tal como, a expressa proibição da liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados.
Vejamos.
A Lex Fundamentalis, em seu art. 5º, priva o acusado de crime hediondo tão somente da possibilidade de livramento mediante o pagamento de fiança e o fez insuscetível de graça ou anistia. Infere-se, portanto, ter a mencionada lei infraconstitucional ultrapassado os limites traçados pela Constituição, transgredindo o Princípio da Presunção da Inocência, no momento em que estabeleceu como regra o que é a exceção, vedando de forma absoluta a liberdade provisória sem a comprovação da necessidade da custódia - o que constitui verdadeira antecipação da pena - violando, desta forma, os pilares de sustentação do ordenamento jurídico.
Dezessete anos após o nascimento de funesta lei, dentre inúmeras injustiças concretizadas, prisões decretadas e mantidas sem a demonstração objetiva e concreta da real necessidade do cerceamento, acarretando o trancafiamento prematuro de indiciados ou acusados contra os quais não existia qualquer motivação idônea a fim de amparar a segregação, após tantas incertezas e contradições, surge a Lei 11.464, de 28 de março de 2007.
Em um arroubo de sensatez (pouco freqüente, frise-se), o legislador ordinário alterou a Lei dos Crimes Hediondos ao expurgar a vedação da liberdade provisória, (pois, agora, o inciso II, do art. 2º refere-se apenas à inafiançabilidade), ratificando, assim, o entendimento de que não se pode impor regras fixas que impeçam o julgador de analisar o caso concreto. No Direito Penal cada caso é um caso. Cabe ao juiz analisar as peculiaridades da situação concreta e avaliar a necessidade da decretação da custódia cautelar, sob pena de antecipar a suposta reprimenda a ser cumprida quando da condenação.
Em um arroubo de sensatez (pouco freqüente, frise-se), o legislador ordinário alterou a Lei dos Crimes Hediondos ao expurgar a vedação da liberdade provisória, (pois, agora, o inciso II, do art. 2º refere-se apenas à inafiançabilidade), ratificando, assim, o entendimento de que não se pode impor regras fixas que impeçam o julgador de analisar o caso concreto. No Direito Penal cada caso é um caso. Cabe ao juiz analisar as peculiaridades da situação concreta e avaliar a necessidade da decretação da custódia cautelar, sob pena de antecipar a suposta reprimenda a ser cumprida quando da condenação.
Impende ressaltar que, tal modificação alcançou não somente os crimes hediondos, mas, também, os equiparados, inclusive o tráfico de drogas. A alteração legislativa revogou, portanto, o disposto no art. 44, caput, da Lei 11.343/06. (aplicação do Princípio da Posterioridade - sucessão de leis).
Ante tal inovação, restou translúcida e de meridiana clareza ser possível a concessão da referida benesse aos supostos autores de crimes hediondos e assemelhados quando ausentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva. A partir de então, imaginou-se restarem sedimentados quaisquer resquícios insistentes em defender a mantença da proibição absoluta da liberdade provisória para tais infrações. Imaginou-se o fim da imposição das condenações antecipadas. Infelizmente, ficamos na imaginação.
A não quista surpresa foi a recente revisão da jurisprudência da 5ª Turma do STJ ao reiterar o entendimento esposado pelo pretório Excelso no sentido de ser impossível a concessão do beneplácito da liberdade provisória a acusados pela prática de crimes hediondos. Senão vejamos:
1. Hipótese em que o recorrente foi preso em flagrante pela suposta prática do crime de tráfico de entorpecentes, tendo sido indeferido pelo Magistrado singular o benefício da liberdade provisória. 2. O entendimento anteriormente consolidado nesta Corte orientava-se no sentido de que, ainda que se cuidasse de crime de natureza hedionda, o indeferimento do benefício da liberdade provisória deveria estar adequadamente motivado, com base nos requisitos do art. 312 do CPP. 3. Revisão da jurisprudência em virtude de entendimento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a vedação constitucional da fiança, constitui fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória sem a necessidade de explicitação de fatos concretos que justifiquem a manutenção da custódia. (STJ- HC-90780/SP Rel. Minª Jane Silva (desembargadora convocada do TJ/MG).- 5ªT- DJ 17.12.2007) (Grifo nosso)
Vislumbra-se que, em um passado não remoto, o Superior Tribunal de Justiça, acertadamente, não admitia a prisão provisória quando ausentes os motivos autorizadores do decreto da custódia preventiva sob pena de estabelecer uma modalidade de "prisão sem pena obrigatória" o que sem dúvida, dizia o Tribunal, violaria flagrantemente e de maneira inconteste garantias apregoadas na Lei Maior.
Contudo, o novo posicionamento do STJ alude ser a vedação constitucional da fiança fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória sem a necessidade de explicitação de fatos concretos que justifiquem a manutenção da custódia, o que, data vênia, representa um verdadeiro retrocesso em face do processo histórico de humanização contínua do Direito Penal.
Ora, não há qualquer dúvida de que os crimes hediondos e assemelhados são insuscetíveis de fiança porquanto, dita imposição, deriva de mandamento constitucional. Entretanto, seria admissível uma interpretação que julgasse a inafiançabilidade para os crimes de caráter hediondo implicaria em torná-los insuscetíveis também da liberdade provisória? Entendemos que não.
Ora, não há qualquer dúvida de que os crimes hediondos e assemelhados são insuscetíveis de fiança porquanto, dita imposição, deriva de mandamento constitucional. Entretanto, seria admissível uma interpretação que julgasse a inafiançabilidade para os crimes de caráter hediondo implicaria em torná-los insuscetíveis também da liberdade provisória? Entendemos que não.
A garantia da liberdade provisória é aplicável também aos crimes inafiançáveis. Para tanto, deve-se observar o parágrafo único, do art. 310 do CPP, o qual determina a concessão do benefício, sempre que o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o caso concreto não justifica a decretação da prisão processual. Leia-se: inexistindo o elemento essencial – necessidade da segregação – impõe-se o ius libertatis do indiciado/acusado, sob pena, repita-se, de admitir-se o regresso da prisão preventiva obrigatória, há tempos banida de nosso ordenamento processual penal.
O Superior Tribunal de Justiça, ao adotar o mencionado posicionamento, parece-nos não ter atentado para os consectários advindos de tal postura. Ao desvincular a prisão sem condenação da demonstração de sua absoluta necessidade, desprezou de forma evidente garantias e direitos fundamentais, bem como vários princípios e ditames arraigados na Lei Maior.
É cediço que a violação de um princípio constitucional é a mais grave forma de inconstitucionalidade, pois implica ofensa não só a um específico mandamento obrigatório mas a todo um sistema de comandos. Portanto, indaga-se:
Como compreender que a privação não necessária da liberdade individual não signifique uma pena antecipada e, desta forma, uma ofensa gritante à dignidade da pessoa atingida? Como compreender que a proibição absoluta da liberdade provisória não equivale a uma pena antecipada, sem o prévio e regular processo e julgamento, ofendendo, assim, o Princípio do Devido Processo Legal? Como aceitar que a imposição de uma prisão cautelar sem a verificação de sua necessidade não lesa o Princípio da Presunção da Inocência na medida em que iguala acusado a culpado?
Como compreender que a privação não necessária da liberdade individual não signifique uma pena antecipada e, desta forma, uma ofensa gritante à dignidade da pessoa atingida? Como compreender que a proibição absoluta da liberdade provisória não equivale a uma pena antecipada, sem o prévio e regular processo e julgamento, ofendendo, assim, o Princípio do Devido Processo Legal? Como aceitar que a imposição de uma prisão cautelar sem a verificação de sua necessidade não lesa o Princípio da Presunção da Inocência na medida em que iguala acusado a culpado?
Em suma, acolher a vedação da liberdade provisória nos crimes hediondos e assemelhados, sem a demonstração da necessidade do encarceramento representa insurgência contra todo o sistema constitucional e subversão de seus valores fundamentais ao transgredir os Princípios da Dignidade Humana, do Devido Processo Legal, da Proibição de Prévia Consideração de Culpabilidade, da Fundamentação das Decisões além de ressuscitar para uma determinada espécie de crime a figura da prisão cautelar obrigatória.